quarta-feira, 12 de agosto de 2015

NESTOR CAPOEIRA


A filosofia da malandragem

Revista Capoeira: Como foi sua trajetória na capoeira?
Nestor Capoeira: Fui iniciado por mestre Leopoldina que, por sua vez, teve dois mestres: Quinzinho – um marginal carioca assassinado na prisão com vinte e poucos anos – e Artur Emídio – baiano de Itabuna e um dos mestres mais importantes na formação da capoeira do Rio, nas décadas de 1950 e 1960. Eu tive muita sorte: o Leopoldina tinha a vivência da marginalidade , era formado na malandragem e, no entanto, é uma das pessoas mais alto- astral que conheço. Então, ele me iniciou na capoeira e me mostrou porção de outros aspectos da vida e lugares da cidade do Rio de Janeiro – o samba, o candomblé e a umbanda, o cais do porto e a estiva, etc. Ele fez minha cabeça, mostrando o que era ser um malandro firmeza, de mentalidade positiva e de alto desenvolvimento espiritual. Tudo isso foi básico na minha trajetória.

RC: Mas, e o Grupo Senzala?NC: Leopoldina viajou e eu fui para a Senzala. Depois de alguns anos, recebi a corda vermelha (graduação máxima), em 1969. Eu tinha 23 anos, que era a idade dos outros professores do grupo, e estávamos todos vivendo um momento de muita empolgação, dedicação e também deslumbramento, pois a Senzala estava se tornando uma referência dentro do universo da capoeiragem. Isso mexeu muito com a cabeça da gente, pro bem e pro mal, com o lance do estrelismo, do autoritarismo e da profissão se tornar mais importante que a amizade. Foi neste contexto, na Senzala, que eu, na época, desenvolvi o lado técnico do jogo. Uns vinte anos depois, por volta de 1990, saí da Senzala e comecei um trabalho com meu próprio método e filosofia.
RC: Como foram as viagens para o estrangeiro?NC: Começaram em 1971. Lá fora, era a época dos hippies, dos Beatles, da “paz e amor”, das “viagens” de LSD. Tudo isso estava abrindo a cabeça das pessoas, proporcionando uma nova visão da vida e do mundo. Por outro lado, aqui no Brasil, era a época da ditadura militar e a barra estava pesada. Em 1971, comprei uma passagem de avião para Londres, botei o berimbau numa capa de couro e pendurei no ombro, e fui ver qual era o lance.
RC: Foi quando começou a ensinar capoeira em Londres?NC: Veja bem: em 1971, ninguém imaginava dar aulas no estrangeiro. Aqui, no Brasil, praticamente só tinha capoeira na Bahia, no Rio e em São Paulo. Tinha, também, alguma coisinha em Belo Horizonte ou Brasília; pouca coisa, uma ou outra academia. No estrangeiro, nem pensar. Eu imaginava que ia cair na estrada: descolar a grana do dia tocando berimbau no metrô e fazendo apresentação nas praças e nos parques. Mas com menos de um mês, uma bailarina muito bonitinha me viu treinando no Hyde Park – um parque de Londres – e me levou pra fazer uma demonstraçãoe palestra no London School of Contemporary Dance. Eu fui, mais pela bailarina que outra coisa. Mas pintaram uns alunos e eu fiquei dando aulas um ano. Depois não agüentei mais: chutei tudo pro alto e caí na estrada, de “berimbau a tira-colo e um saco-de -dormir”. Rodei a Europa três anos; seis meses aqui, outros quatro lá… mas eu tinha sacado o lance das academias de dança, e ao chegar numa cidade nova eu começava logo a dar aulas.
RC: Quer dizer que você foi o pioneiro no ensino da capoeira no estrangeiro?NC: Eu acho que fui o primeiro. Depois veio o Jelon Vieira, que deu um rolê na Europa e se fixou em Nova Iorque, em 1975. Eu vivi dez anos no exterior, em diferentes estadias. Isso foi muito bom, vivi o processo de expansão da capoeira, aqui no Brasil e lá fora. E tive meus livros publicados, aqui e lá: quatro no Brasil; um nos Estados Unidos, na França, na Dinamarca e na Alemanha. A capoeira me proporcionou uma vida maravilhosa.
RC: Que mensagem você daria aos capoeiristas mais novos?NC: Vamos tratar do corpo; mas vamos fazer a cabeça… e o lado espiritual, também. A capoeira tem muito a dar, mas é preciso que a gente esteja à altura, pra dar algo em retorno.
fonte : Revista Capoeira



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