A SENDA ESOTÉRICA DA CAPOEIRA
“Dois homens vestidos de branco estão agachados frente a frente,
concentrados no ritmo cadenciado que o mestre tira do seu berimbau.
Ao redor do círculo marcado no chão – a roda – os demais,
também de branco, batem palmas e acompanham em coro o refrão
cantado pelo Mestre. A um sinal deste, os dois homens se benzem e
iniciam seus movimentos circulares, desferindo golpes cujo a
violência fica encoberta pela beleza daquilo que à primeira vista é
apenas uma dança.
Na realidade a capoeira é mais que uma luta ou uma dança, um
esporte ou uma manifestação folclórica. É uma herança
místico-cultural de inestimável valor que nos foi legada pelo negro
que veio ao Brasil como escravo, e aqui usou-a para lutar por sua
liberdade. Porém como quase todas manifestações culturais e
religiosas do negro, também a capoeira sofreu, ao longo dos séculos,
uma perseguição sistemática por parte do branco zeloso de sua
“cultura” européia.
Por esta razão chegou até nós uma imagem deturpada, na qual é
evidenciado o fato de ter sido praticada principalmente por marginais
(criados pela própria sociedade que libertou o negro sem no entanto
dar-lhes oportunidades dignas de sobrevivência). Mas o seu maior
prejuízo foi a perda do caráter místico-filosófico, que só agora
estamos tentando redescobrir e transmitir.
Para se compreender o sentido místico-filosófico da capoeira,
talvez seja interessante compará-la com as artes marciais orientais,
que desde tempos imemoriais são usadas para auxiliar o homem a
transcender seus limites físico-mentais a níveis quase utópicos da
nossa compreensão (vide planeta nº 94).
Para que o jogo da capoeira se desenvolva, dois elementos são
indispensáveis: o ritmo vibrante e cadenciado do berimbau e a roda –
espécie de arena onde o jogo se desenvolve. Na realidade, o jogo da
capoeira é a representação da eterna luta pela harmonia do
universo, a eterna luta das energias positivas e negativas das quais
todas as coisas e seres são feitos. Na capoeira o jogo desenvolve-se
dentro da roda traçada no chão, e é interessante lembrar que em
todas culturas arcaicas, o círculo foi símbolo do universo, por não
ter início nem fim. Os golpes desferidos são sempre circulares e em
sequência ininterrupta, simbolizando o eterno movimento de suas
forças integrantes e antagônicas.
Ao contrário das artes orientais, aqui não se bloqueia ou impede-se
a finalização do golpe adversário. O contragolpe só é desferido
quando o adversário terminou, naquela fração ínfima de tempo em
que este está desequilibrado. Como todos os movimentos são
circulares, na realidade o contragolpe vem “preencher o vácuo”
deixado pelo golpe, do mesmo modo que as energias do universo não se
destroem, apenas combinam-se sem que haja perdas de carga; há apenas
perda do espaço ocupado por uma em detrimento da outra, num
movimento constante e harmônico.
Mas o principal elemento de transcendência mental é o berimbau –
o primeiro e mais importantes dos mestres. É o seu ritmo que
harmoniza o corpo, é a sua vibração que eleva a mente do
capoeirista. Pode-se afirmar que o ritmo do berimbau, auxiliado por
pandeiro, atabaque, palmas e canto constitui-se verdadeiro mantra,
que
à
semelhança deste eleva os capoeiristas a níveis mais elevados de
consciência permitindo que seu corpo e sua mente realizem
verdadeiros prodígios em termos de reflexos, velocidade, equilíbrio
e flexibilidade.
Artur Arpad Szabo – diretor da Associação de Capoeira
Guaiamúns-Nagôas, Rio de Janeiro – RJ
Revista Planeta, nº120, setembro de 1982
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