A
capoeira é uma das expressões mais características da cultura
brasileira. É comum encontrarmos definições de que o “jogo da
capoeira” consiste numa atividade esportiva, praticada em clubes,
academias ou nas ruas, atividade sem regras fixas, mas que segue um
protocolo característico, com música própria, no qual o
instrumento musical que comanda o desenvolvimento do jogo e da roda é
o berimbau. Trata-se, não obstante, de uma definição que reduz a
prática da capoeira a seus aspectos puramente esportivos, preterindo
todas as suas demais dimensões presentes na sociedade brasileira. O
intuito desta publicação é justamente expor os elementos da
capoeira que transcendem a atividade física, abordando as
significativas implicações que sua prática engendra em diversas
áreas da vida social, razão pela qual pode ser considerada como uma
das mais complexas manifestações culturais brasileiras.
Os
aspectos mítico-religiosos da capoeira, por exemplo, integram uma
dimensão do “sagrado”, marcante no Brasil, permeando as crenças,
os modos de vida, os sonhos e as lutas de sua sociedade.
Evidentemente, trata-se, como bem definiu Sérgio Buarque de Holanda,
de uma religiosidade intimista e familiar, transigente a diversas
contribuições espirituais e paradigmática da cordialidade que esse
autor atribuiu ao brasileiro. Desse modo, o componente de magia que
reveste o universo da capoeira, embora proveniente do imaginário
popular, expressa o vasto campo de significados dessa manifestação
afro-brasileira e de suas ligações com o sagrado, assim como muitas
das manifestações e tradições da cultura popular no Brasil.
Também
o léxico da capoeira revela um pouco da relação idiossincrática
do brasileiro com o meio ambiente. Com efeito, os nomes de movimentos
e golpes da capoeira remetem, freqüentemente, a elementos da
natureza, denotando a forte relação dessa prática com a observação
do meio ambiente. Outro exemplo é a própria etimologia do termo
“capoeira”, que, de origem indígena, significa “mata extinta”.
Ademais
dos aspectos sociais, pela história da capoeira revelam-se também
determinados aspectos significativos da história do Brasil. As
mutações ocorridas no jogo da capoeira refletem muitas das
transformações ocorridas no país nos últimos séculos. Nesse
sentido, a abordagem histórica não poderia deixar de fora
comentários sobre a repressão da capoeira, verificada sobretudo ao
longo do século XIX e início do XX. A despeito das iniciativas para
reprimi-la, a capoeira superou todos os óbices que lhe foram
impostos. Talvez isso tenha ocorrido justamente devido ao fato de se
tratar de uma manifestação cultural ampla e profunda da índole
brasileira, não sendo, por conseguinte, elemento de fácil
repressão.
Produto
da cultura popular brasileira, a capoeira era vista com certas
reservas pela elite, que a associava à badernagem, à vadiagem e à
ausência dos bons costumes. Nesse sentido, é interessante notar que
a capoeira é atualmente utilizada para resolver mazelas sociais das
quais no passado era tida como causadora. Com efeito, a capoeira tem
se mostrado excelente instrumento de inclusão social. Isso se deve,
em boa medida, ao fato de que as atitudes dos capoeiristas na roda
privilegiam a relação equilibrada entre os opostos, entre os
diversos, num constante exercício de humildade e paciência.
Em 2007,
o Ministério das Relações Exteriores teve oportunidade de
patrocinar a realização de mais de 50 eventos de capoeira em todos
os continentes. Essa expansão da capoeira para outros países tem
provocado um interessante processo de fortalecimento e de dinamização
de sua prática. Existem, atualmente, diversos mestres estrangeiros
que jogam capoeira tão bem quanto os brasileiros. Desse modo, talvez
não seja exagero dizer que, embora a capoeira seja uma manifestação
cultural originada no Brasil, e carregue, portanto, símbolos
inquestionáveis de brasilidade, sua prática já é tão comum em
âmbito internacional que se constitui em mais uma contribuição
brasileira para o patrimônio cultural da humanidade. Prova disso são
algumas das ilustrações dessa publicação – fotografias de
Pierre Verger e desenhos de Carybé, ambos estrangeiros, mas que, por
meio de sua arte, revelam ter apreendido adequadamente as
peculiaridades da capoeira.
Como
anexo da presente edição da coleção Textos do Brasil, há um
trecho do documentário “Mestre Bimba: a capoeira iluminada”,
gentilmente cedido pela Lumen Produções. Inspirado no livro “Mestre
Bimba: Corpo de Mandinga”, de Muniz Sodré, o filme apresenta
depoimentos de antigos alunos e imagens, inéditas no cinema, da
trajetória de vida de uma das principais referências do universo da
capoeira. Desse modo, ao leitor que ainda não teve oportunidade de
presenciar uma roda de capoeira, é apresentada uma amostra de seus
movimentos, música e ritual. Quiçá a publicação e o documentário
o incitem a tomar parte no fascinante mundo da capoeira...
* O sublinhado é da capoeiranews
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