domingo, 21 de junho de 2015

CAPOEIRA E MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES


A capoeira é uma das expressões mais características da cultura brasileira. É comum encontrarmos definições de que o “jogo da capoeira” consiste numa atividade esportiva, praticada em clubes, academias ou nas ruas, atividade sem regras fixas, mas que segue um protocolo característico, com música própria, no qual o instrumento musical que comanda o desenvolvimento do jogo e da roda é o berimbau. Trata-se, não obstante, de uma definição que reduz a prática da capoeira a seus aspectos puramente esportivos, preterindo todas as suas demais dimensões presentes na sociedade brasileira. O intuito desta publicação é justamente expor os elementos da capoeira que transcendem a atividade física, abordando as significativas implicações que sua prática engendra em diversas áreas da vida social, razão pela qual pode ser considerada como uma das mais complexas manifestações culturais brasileiras.


Os aspectos mítico-religiosos da capoeira, por exemplo, integram uma dimensão do “sagrado”, marcante no Brasil, permeando as crenças, os modos de vida, os sonhos e as lutas de sua sociedade. Evidentemente, trata-se, como bem definiu Sérgio Buarque de Holanda, de uma religiosidade intimista e familiar, transigente a diversas contribuições espirituais e paradigmática da cordialidade que esse autor atribuiu ao brasileiro. Desse modo, o componente de magia que reveste o universo da capoeira, embora proveniente do imaginário popular, expressa o vasto campo de significados dessa manifestação afro-brasileira e de suas ligações com o sagrado, assim como muitas das manifestações e tradições da cultura popular no Brasil.
Também o léxico da capoeira revela um pouco da relação idiossincrática do brasileiro com o meio ambiente. Com efeito, os nomes de movimentos e golpes da capoeira remetem, freqüentemente, a elementos da natureza, denotando a forte relação dessa prática com a observação do meio ambiente. Outro exemplo é a própria etimologia do termo “capoeira”, que, de origem indígena, significa “mata extinta”.
Ademais dos aspectos sociais, pela história da capoeira revelam-se também determinados aspectos significativos da história do Brasil. As mutações ocorridas no jogo da capoeira refletem muitas das transformações ocorridas no país nos últimos séculos. Nesse sentido, a abordagem histórica não poderia deixar de fora comentários sobre a repressão da capoeira, verificada sobretudo ao longo do século XIX e início do XX. A despeito das iniciativas para reprimi-la, a capoeira superou todos os óbices que lhe foram impostos. Talvez isso tenha ocorrido justamente devido ao fato de se tratar de uma manifestação cultural ampla e profunda da índole brasileira, não sendo, por conseguinte, elemento de fácil repressão.
Produto da cultura popular brasileira, a capoeira era vista com certas reservas pela elite, que a associava à badernagem, à vadiagem e à ausência dos bons costumes. Nesse sentido, é interessante notar que a capoeira é atualmente utilizada para resolver mazelas sociais das quais no passado era tida como causadora. Com efeito, a capoeira tem se mostrado excelente instrumento de inclusão social. Isso se deve, em boa medida, ao fato de que as atitudes dos capoeiristas na roda privilegiam a relação equilibrada entre os opostos, entre os diversos, num constante exercício de humildade e paciência.
Em 2007, o Ministério das Relações Exteriores teve oportunidade de patrocinar a realização de mais de 50 eventos de capoeira em todos os continentes. Essa expansão da capoeira para outros países tem provocado um interessante processo de fortalecimento e de dinamização de sua prática. Existem, atualmente, diversos mestres estrangeiros que jogam capoeira tão bem quanto os brasileiros. Desse modo, talvez não seja exagero dizer que, embora a capoeira seja uma manifestação cultural originada no Brasil, e carregue, portanto, símbolos inquestionáveis de brasilidade, sua prática já é tão comum em âmbito internacional que se constitui em mais uma contribuição brasileira para o patrimônio cultural da humanidade. Prova disso são algumas das ilustrações dessa publicação – fotografias de Pierre Verger e desenhos de Carybé, ambos estrangeiros, mas que, por meio de sua arte, revelam ter apreendido adequadamente as peculiaridades da capoeira.
Como anexo da presente edição da coleção Textos do Brasil, há um trecho do documentário “Mestre Bimba: a capoeira iluminada”, gentilmente cedido pela Lumen Produções. Inspirado no livro “Mestre Bimba: Corpo de Mandinga”, de Muniz Sodré, o filme apresenta depoimentos de antigos alunos e imagens, inéditas no cinema, da trajetória de vida de uma das principais referências do universo da capoeira. Desse modo, ao leitor que ainda não teve oportunidade de presenciar uma roda de capoeira, é apresentada uma amostra de seus movimentos, música e ritual. Quiçá a publicação e o documentário o incitem a tomar parte no fascinante mundo da capoeira...
* O sublinhado é da capoeiranews

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